Caro Leitor:
Aqui te deixo mais este livro de horas amargas e doces. Corre-me nas veias um rio de versos desencontrados, de amor e mágoa, esperança e desencanto. Sou, como sabes, um pacifista revoltado com as injustiças do mundo. Conjugo razão e utopia, a dor pelos males da Pátria e a certeza de um futuro mais livre e fraterno. E assim me escrevo como sou, guardador de emoções, poeta da revolução humanista, visionário de outros rios que hão-de fecundar o pousio de tantas vontades descrentes e florir as searas da harmonia colectiva.
Talvez este seja o meu último livro. Depois de sessenta anos de escrita creio que não disse o essencial de mim. A vida é uma realidade complexa ainda por decifrar, e a beleza, verdadeiramente, não se deixa escrever, apenas permite que a sintam aqueles que se comovem com um sorriso de criança ou com uma flor a abrir-se ao Sol dos dias plenos. A grande metáfora da vida é a arte, porque ousa desafiá-la para além da morte.
Os meus livros são o testemunho sentido e a radiografia sentimental desse rio que há em mim, que canta e chora conforme o rumo dos ventos, que teima na busca da força e da autenticidade matricial das fontes. Retrato inacabado de quem foi fraco no fazer mas forte no ousar, e que tu, Caro Leitor, poderás completar folheando a minha obra literária. Que ela fale por mim. Mesmo as línguas mortas não se calam.
Cordialmente,
António Arnaut
Janeiro de 2016
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Faz que a vida aconteça
(Poema 38)
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